sábado, 3 de maio de 2008
Barbie Girl, eu?
Eram braços fortes, corpos construídos, tão ou mais construídos que o meu. Morenos, suados, robustos. Imponentes, necessários? Fui chamada, Barbie girl. Não entendi, olhei a volta, cerrei as pálpebras, apertei os passos. Mas o mal já ocorrera, doeu, o porquê desconheço, não é familiar. Uma opressão, pressão, esmagadora diferença de forças, eu ali frágil, quase mulher, eles fálicos, machos prontos para estraçalhar se eu me atrevesse a revidar.
Mais três ou quatro metros, ecoaram: ”é você mesmo, Barbie” senti as pernas bambas, os hormônios pulsantes, tentei correr, tropecei em meu medo, em minha insignificância. Tapas, socos, ofensas, estava no chão, cachorro morto, recebendo chutes, eles feriam outra pessoa, eu já não estava lá... De quem era o corpo, eu já não o sentia. Intermináveis seis minutos, irreversíveis.
Acordei, ainda estava na rua, rastejei alguns quarteirões, pelo caminho perderam-se dentes, sangue e sonhos. Uma boa senhora ainda sentiu pena, de longe abençoou-me, maldita não preciso de orações preciso de analgésico. Humilhada, maltrapilha, indigente, a hemorragia não via hora para ser atendida. No prontuário colocaram o nome de outra pessoa, um nome que ressurge quando estou fraca, sem forças, mesmo tentando matá-lo ele sobrevive, me persegue.
_ “Não registre ocorrência, é capaz que leve outros sopapos, é falta de vergonha homem por saia e se fazer mulher na noite”. Segui o conselho, e quando entrei em meu corpo novamente percebi que a surra extirpou de mim mais que sonhos, estava cirurgiada, sem pau, sem fenda, sem nada. Mais incompreensível que nunca, um corpo sem sexo, deformado.
Os rapazes riam pelos cotovelos no bar do zelem, “sou um cirurgião plástico, fiz buceta no veadinho”. Muitos sabiam da benfeitoria que cometeram, mas eram todos tácitos, coniventes. Saí do hospital sete quilos mais magra, recebi inúmeras transfusões e nem uma palavra amiga. Ainda viva, a calçada esperava.
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8 comentários:
Querido, esse texto merece ser públicado, sem dúvidas...
A homofobia está presente em nosso cotidiano...
Perfeito, belo, único, nota 10!
Parabéns!
muito bom, vinícius.
muito bom, mesmo.
bom texto e idéias melhores ainda.
gostei de ter ganhado esse espaço para ler e trocar idéias sobre identidades entre tantas outras coisas do cotidiano tão presentes em nosso cotidiano mas que, infelizmente, ainda são grandes tabus.
abraços,
HEi... Disse "pessoalmente" o que achei do teu texto. Gostei da escrita agressiva. Tem impacto. É um texto dramático e que ao mesmo tempo dispensa todo sentimento de pena... me lembra Rubem Fonseca!
É isso aih, abraços!
Sem palavras, pra descrever tanto talento!
Ainda vou dizer: Esse best-seller foi meu melhor amigo que escreveu!
...
Difícil ter palavras.
Confesso um sentimento deveras catártico.
Uma sensação conhecida.
Ou quase...
Não costuma fazer isso, mas talvez eu me explique melhor aqui. Se puder...
http://reconstruindome.blogspot.com
/2006_04_02_archive.html (1º texto da página)
e, depois,
http://reconstruindome.blogspot.com
/2006_06_18_archive.html
Essa Mona, real, toma conta da minha vida e de meus pensamentos.
Obrigado pelo prazer!
Você ainda consegue me surpreender, apesar de saber e conhecer o seu grande potencial. Belíssimo texto, forte e chocante, como deve ser.
Amo seus textos amigo. Ainda bem que agora você os divulga. Merece os elogios..
Amo... Sinto sua falta.
Grande abraço, Rafa.
vinny... adorei a última postagem!!! fiquei quase sem palavras!!! quando vc me disse que a mona seria cirurgiada, imaginei que seria pelo método tradicional e não por bárbaros que desejavam acabar com a ambiguidade de seu corpo!!! O nome... que reaparece nos momentos de fraqueza... não consigo reproduzir o trecho com tanta poética e de forma tão singela com vc fez!!! parabéns!!! e continue a descrever os caminhos da mona, agora operada!
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