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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Um incerto texto


Pelos idos do colegial (é tão bacana falar assim), um delicado texto buliu com minhas curiosidades. Marcou, ficou guardadinho, sempre fresco...mesmo engulindo vírgulas, pulando parágrafos. Mas sua mensagem estava alí. Clarice e seu jogo de fugas, palavras e o conhecimento de algo apenas sugestionável. Quero-a em minha companhia, nas tardes quentes, secas e intensas de Goiânia.

Medo Da Eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Faltam Imagens


Dizem a boca larga que imagens valem mais que 1.000 palavras. Discordo.


Há nessa sensação intermitente, incansável de dizer algo, falar dos acanhamentos, acúmulos fatídicos, cotidianos disformes. As vezes não se consegue dizer, tão pouco eleger uma imagem que verse um pouco mais do que tentamos expressar.


Não tento proposições à metalinguagem, nem quero entrar no fazr poético. Queria uma imagem apenas. Cá no google imagens as coisas andam difíceis. Pensei em Tegucigualpa, Calcutá, queers, HSH, homens envelhecendo. Faltou algo na imagem, sobrou hegemonia e esvaziou-se a multiplicidade.


Fico ainda a procura das imagens, aliás, ao elegê-las causará em outrem singular emoção? Não, nessas poéticas visuais a disputa pelo sentir é intensificada.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Memória e Ditadura


De 1964 a 1985 algo tanto distante, doloroso e inexplicável.


São sentimentos contraditórios que surgem ao ver ao meu redor o projeto memórias reveladas do Arquivo Nacional.


Ontem, lançamos o projeto no auditório da Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da UFG. Exibimos o filme Batismo de Sangue, e depois tivemos uma emocionante conversa com a professora do departamento de Ciências Sociais, Maria luiza Rodrigues.


Revelar para não mais acontecer. Colocar a mão nessa ferida disforme, latente. Cicatriz ambígua, com aspecto queloidal.


Heranças e ransos que não nos livramos. Violência policial, assepsia social, higienização de corpos indesejáveis. Enfim, precisamos dialogar, refletir e jamais sucumbir ao silêncio.


Dia instigante, complexo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Fotografia


Há um certo tempo cursei fotografia na faculdade.


Refências francesas, câmera clara, Barthes, D'bois, kodak, 35 mm, 20 ° C...revelador, negativo, positivo.


Contudo, tardes quentes de Goiânia teimam fervilhar miolos. Já não sou de muitas inocências, tão pouco moralismos e disposição para fotografar macacos no bosque Saint-Hillarie.


Ligo para ele, Marco. _Topas beijar na boca para uma fotografia? "Uai, não sei, quem é a outra pessoa? É o Dóris. "Sim, de boa".


Entre risos e enrubrecimento daquela turma de universitários, o beijo queimou o asfalto e grama das adjacências da faculdade de artes visuais.



Um beijo, apenas um beijo de garotos urbanos goianos. Lábios em preto e branco.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Adélia


Lá nos cantos de Minas há essa boa moça.

Madura, sensível, que desdobra palavras, casa rimas, põe ternura no dia de terra vermelha, pedras calçando ruas.

Poetisa que denuncia uma forte assertiva: " não sou tão feia que não possa me casar".

Deve ser irmã de alma de Cora. Se o sertão não as dividisse por certo fariam largas compotas de doces em tardes manhosas.


Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

Adélia Prado

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guamá


7 dias sem escrever.

Ainda zonzo com tantos momentos, reflexões, conversas, samba de amigos.

Tivemos uma imersão no Guamá, região pobre, com sérios problemas estruturais. Alí não víamos nem esgoto em algumas partes, eram valas com acúmulos de cheiros, lixo, fezes. A população sendo espremida, machucada. Cercadas por uma universidade que não os pertence.

Sentamos em um bar, cruzamos a fronteira. Chamávamos atenção, prestávamos atenção em cada detalhe, cada olhar. A efervescência de suas vielas. O tecno-brega embalando um domingo, a cerveja descendo por gargantas ávidas. Desejos, suor, fé. Um entrelaçamento inimaginável, mas alí exposto, para olhos mesquinhos como o meu.

Tem mais que açaí, tacacá, maniçoba e carimbó. São versos que se fazem no encontro cotidiano, nas dobraduras de seus caminhos, no infindável som de suas tardes.

Ah, Belém. Ah, bairro Guamá.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Filhas da Chiquita


Tudo quase certo, coisas a mil e tudo deve ficar pronto as 20 horas.

Dar fim a saudade do Pará, do norte, daquela vastidão de belezas, expressões, singularidades.

Vamos em um momento atípico, como um próprio belenense disse a cidade é uma antes do sírio e se reorganiza de uma forma impar na festividade.

Não vou para segurar na corda e fazer promessas à santa, quero é ver a festa profana, travestis,lésbicas, gays e bi : na procissão as filhas da chiquita.

A festa da chiquita é parte integrante do sírio de nazaré, foi tombada como patrimônio imaterial e cultural da humanidade peli IPHAN. E estarei lá para ver isso, ainda não acredito

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

prelúdio


A primeira lancheira, caminhos certos, árvores, maçãs. Um fim de tarde saboroso, pernas preguiçosas no sofá. Na tv as aventuras de Doug. Era meu favorito, estava alí ao lado de pedrinho, emília, mônica, nino, zequinha, meena...tantos, tantos.

Bom voltar do campus, ouvir palavra cantada...rato, meu querido rato.

ahh, sou ainda esse menino ruivo, com a música na ponta da língua.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

18


Uma quarta feira cheia de surpresas, trabalho e calor.


Comemoramos o sucesso do seminário, a repercussão em Goiânia e também no Brasil.


As vezes entro muito no espírito dos eventos, seminários, e acabo não voltando pra realidade. Esqueço da vulnerabilidade, subalternação e violências simbólicas impostas diariamente. "manera aí", eufimismo para constituir um sujeito abjeto, desprovido de direitos e silenciados pelo ódio, pela ignorância e pelo esvaziamento de sentidos, solidariedades.


Sem palavras, sem ação, com o gosto da impotência. Lutar alí? gritar, dizer estou aqui! Não tive forças. Tive pena daquelas pessoas, da mesquinharia de suas vidas, daquelas limitações, da arrogância. Olhei nos olhos daquela senhora, do rapaz e lamentei por não serem de fato humanos. Se cristão fosse eu, diria: "oh pai, eles não sabem o que dizem".



*No hipertexto olha quem acabo achando. Solto no Cyber-espaço: Rodrigo de Campinas. Saudade de ti rapaz, pessoa maravilhosa e com uma energia para desmontar estas grades de preconceito e ódio.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Linha de Passe


Cinema com o grande amigo Lucas já é uma tradição. Assistimos, comentamos e nos maravilhamos.

Este filme tocou-me de forma dolorosa, e também saborosa. Tensões, apertos na poltrona, comoções. Quase lágrimas, muitos sorrisos. Lindas cenas, uma trilha absurdamente poética e uma atriz que não ouso adjetivar.

Caminhamos pelo vaca brava, comentamos sobre sonhos, cenários futuros, perspectivas.

Uma noite muito agradável, gentil e inquietante.