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terça-feira, 24 de junho de 2008

Pedágios


Entre as pedagios da vida há as belezas que se escondem, bem no fundo surgem como fantástica audácia pronta para ocupar eterno espaço no baú que carregamos.

Começou ontem, entre desconhecidos, próximos e queridos uma empreitada que nos guiará rumo ao Rio de Janeiro. Há tempos não reparava nas esquinas centrais, nos transeuntes, nas movimentações, desvios, solidariedades. Sorrimos ao fim do dia com a quantia posta em sacola branca. Promessa universitária, instantâneos sorrisos e abraços que se oferecerão em julho próximo.

Lembro do primeiro encontro de estudantes, daquela capital baiana, dos inúmeros amigos de almoços, lanches e painéis. Da praia que não deveríamos ter ido, da corrida frenética e embriagada do pelourinho. Do alemão, do francês e principalmente do carioca que foi cursar jornalismo na universidade de brasília. Lembro de Amanda, a barbie. Agosto com gosto de mais na boca.

Porto alegre ainda está fresca em minha cabeça, fico aqui a pensar no Rio, uma forma de amenizar as saudades. Grosseiro modo de lidar com a cidade que me cabe, comporta os deslizes e anseios desse rapaz. Enfim, pronto para novos abraços cativos, para brincadeiras e doiduras à paraíba.


E os dois colegas que me acompanham nesse breve sonho, signos e novas leituras espaciais. Terra é o que nos falta e formas mais avessas procuramos para as promessas do Rio tornarem bilhetes em agendas. Por isso Osmar e Eduardo, força no semáforo, pra contar aos que não foram tudo o que aconteceu no escurinho da cidade!

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Donna Santha


Cresceu em um lugar no mínimo sem brilho para alguém que a vida projetou mil maravilhas. Era a mais notada daquele país. Pernas compridas, deslumbrantes madeixas, vez ou outra rebolava em províncias vizinhas .
Tinha um ar arrogante, também pudera, foi fruto de técnicas caras e modernas de inseminação. Filha acarinhada por muitos, sua mãe ostenta o orgulho de ser virgem, afinal o hímen é complacente, logo permanece intacta, tal qual veio ao mundo.
Andava rodeada por marmanjos, semelhanças com cadelas ao cio. Usava tubinhos brancos, um visual mais clean, o sol era de rachar. A echarpe vermelha, brilho discreto na boca, cabelos definidos, cachos perfumados e levemente dourados pelo sol. Cintura única, de rara beleza. Pés delicados, contrariando a secura de suas terras.
Encismesmada, queria alçar vôos. Mostrar a todos suas profundidades e desdobráveis aptidões para o cotidiano. O sertão debilitava sua pele. Foi-se aos trópicos. Longa temporada passou em latino-america. Bailou em Havana, Caracas, Belém, Buenos Aires, Lima, Montevideo. Arrastou legiões de fãs, foi criticada, insultada, exaltada. Apareceu em notíciarios, frequentava baladas e celebrações religiosas. Filha legítima do consumo, pregava um novo olhar. Que comessem menos carne, praticassem exercícios, não fumassem. Nada de pegar sacolas plásticas no mercado.
Notou-se reivindicada por muitos grupos, queria sua privacidade, sua doce solidão. Enfaticamente perseguida, corria de muitos, seu salto desgastava, quebrava. Sucumbiu as vaias e impulsividades das massas raivosas.
Beberam otim, fumaram ópio, chuparam bubaloo. Cantaram singles, oh dj, please don't stop the music. Foram traidores, em ondas transcedentais, um grupo confundiu minha amiga com uma elzeira por aí, navalhou-a, dependurou o corpo no monumento das três raças. O sangue ficou alí, empoçado. Os dias sucederam, calmamente, sem nenhuma pressa ocasional. No fim do terceiro dia surgiu calma e serelepe uma nova promessa. Ela estava viva, não se sabe como, mas o brilho azul hipnotiza nossa doce capital.


terça-feira, 17 de junho de 2008


A década de quarenta já nos trazia o símbolo identitário como uma inócua publicidade, essa multiplicidade de cores que por certo representaram em algo ou alguém a diversidade humana em amar e produzir afeto.

Confesso que ando com overdoses desse arco-íris, não sei, sinto como grilhões que sufocam, deixam braços vermelhos. Não contempla a todas e todos. Enfim, é muito década de 70.

hoje não resisti e entrei no gayblog da mtv, talvez ainda pensando que algo bacana e inusitado me aguardava, ledo engano, o que notei foi uma bee , que fala das semanas de modas, que acredita na monogamia e sabe no mínimo o nome de 150 marcas que nunca consumiu. E no layout da página, adivinhem o que tinha? Sim sim, Arco-íris!!!

A bee questionava a fluidez das relações gays, tachando-as de " promíscuas". É difícil compreender os diversos arranjos humanos quando nos pautamos como parâmetros para a humindade. Ai ai, talvez ela ignore que o porteiro dela possa ser gay, que ele não vai na the week e tão pouco na Le boy. Aos domingos quem sabe um pagode depois do culto, e uma peladinha com os amigos. Talvez ele não saiba dessas coisas, decorar tantas marcas e estilos podem sufocar a mente. Pra quê saber que existem problemas no mundo se ele sabe que a Giane Albertoni não arrasa nas passarelas como antes, ou que Manollo Blanc agora é a aliança pós-moderna do "ápice" da vida de uma mulher?

E ainda tem gente que coloca no orkut aquela comunidade: O que está acontecendo com o mundo?

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Conferindo


Em posturas melancólicas vezes sim me percebo.
E nestes dias de intensas mobilizações pela diversidade sexual, por cidadania, por dignidade, me pego especialmente sóbrio. Foi-se a euforia paulistana, deixando cá neste corpo intensa ressaca. Foi necessária uma assepsia moral, lavagens intensas, e esconderijos na casa da mamãe, no interior frio e apertado.

Oras, folheando os periódicos pós parada xxxyyy, coisas pavorosas eram colocadas em foco.
" Parada está popular, sem glamour" Empobreceu.
E como incomoda, além de reduzir o potencial econômico, também escureceu, envelheceu, diversificou. Não é o que se propõe?

Não. A imprensa quer o espetáculo, quer o brilho, quer o nosso rosa, a nossa alegria compulsiva. Somos isso, mas somos mais. Temos mil vozes, infinitos formatos, sonhos, ambições, desejos. Não somos paralelos à heterossexualidade. Daí vislumbro coisas que em jornal nenhum seria manchete. Três travestis me comoveram (Não eram as transnaldinhas), reivindicavam mobilizações contra arbitrariedades da justiça carioca, pela desapropriação de famílias, pelo abuso de poder. Luxo, isso é o glamour.

"Idosos também são gostosos".

Lésbicas , trans, bi e gays contra o racismo, recordando os 120 anos de abolição da escravatura.

Músicia brasileira..."deixa eu cantar pro meu corpo ficar odara" e também bate estaca, confesso que fui ao lado do trio de brasilidades. Cotidiano, foi ótimo ouvir chico em pleno domingo na avenida paulista.

Foram intensas belezas, delícias inenarráveis. Amigos de goiás que encontrei na Vieira de Carvalho. Um saudoso amigo do Pará que tropecei na multidão. Um afeto gaúcho que há tempos não vi, alí no dia gay em um parque de diversões.

Agora a conferência se aproxima, são políticas públicas que devemos entregar em mãos que nos desconhecem. Não raro ouve-se de senadores e deputados frases absurdas. Um desconhecimento, uma distância das questões de gênero e orientações sexuais. Este é nosso papel, cimentar as lacunas do Estado. Garantir direitos básicos, nos retirar das vulnerabilidades.

Ontem, ao procurar uma lancheria com uma "amiga" fomos vítimas de homofobia. Temi por minha vida, meus sonhos. Não sei transmitir em palavras a sensação de correr de pessoas com pedras, tão pouco imagino o ódio que motivava jovens a bradarem: "joga pedra nas bichas". A alegria do dia escoou.

Para nós que amamos de diversas formas, a cidade é cerceada. Há lugares que andamos com ressalvas, onde não podemos nos expressar, beijar, tocar. Uma cordial voz nos convida a ir embora ou parar com "aquilo". E assim nossas mãos se soltam, os lábios sofrem a distância, nossas carícias sufocadas no escuro, nas sargetas, em indizíveis espaços.

Engraçado. Em uma festa alternativa, no cine ouro, estava em calorosas pegações com um oportuno companheiro. Do nosso lado uma moça voluptuosa esfregava nádegas e cochas nas zonas érogenas copuladoras do seu parceiro. Ouvi gemidos, sussurros. Mordiscadelas na orelha, unhas no cócix. Estava no mesmo nível de desejo que o casal vizinho. A moça cutucou-me _" Ei, vá ao banheiro, termine isso lá". Não quis acreditar, enfim, ignorei, ela continuou _" é serio, vai lá pra vocês gozarem logo.

Respondi: vá você gozar logo. Estamos bem aqui.

Talvez ela se sentia libertária, aberta, então me indicava o banheiro. Ou por certo, em sua cabeça estava arraigada a imagem de sexo compulsório, sanitários de shoppings, aeroportos, cinemas. Não querida, ainda não queria gozar.


Precisamos amar nas ruas, em praças, em praias, em pátios universitários, nos terminais de ônibus.


Por isso mando um especial abraço à Elaine e Polyana, que sem medo traduzem na amarelidão dos dias suas paixões, a beleza de um amor, o brilho nos olhos.


Uma carícia em Lucas, amigo de detalhes, de poesias.

Gabriel, madrugadas, conversas, abraços.

Dorivan, sempre, intenso, sonhadores.

Estevão, energia, paixão, sede na vida.

Ana e Bruna, feminilidades marcantes.

Marco, em nossas biologias antropológicas.

Tuyná, no piauí, minha princesa.

Fábio em são paulo, conquistas dos encontros estudantis.

Allan, irmão, fomos separados na maternidade, nos reencontramos no fundamental, reencontramos no médio. E muitos encontros nos faltam, para a vontade de mais e mais que se reinventa.

Marcelo, companheiro de viagem, de conversas, de inquietações.

Camila e Fernando do Maranhão.

As Rainhas veterinárias de Santa Catarina.

A educadora Janaina de Campinas.

As nuanceiras de Porto Alegre.

Nanda, infâncias, adolescências, e muitas passagens que percebo.

Dan, onde nos vemos na virtualidade da vida, fomentando em espaços digitais uma amostra das potencialidades humanas.
Cléo, da amazônia, com sua vorça radiante, sua obstinação.

As meninas da minha vida, Samara e Daniela.

A minha versão mulher, Rafaela, intensa, sensata, capaz.

Mônica que amo, mas ela esquece, e me esquece também.



Não é uma listinha, são pessoas que inspiram vida, luta, sonhos.

Alguns próximos, outros nem tanto. Próximos nesse egendrado jogo, nestes asfaltos, terras e danações do mundo.

domingo, 1 de junho de 2008

Valisère


O mundo de seduções, aparatos de felicidades fugazes e um pôr-do-sol no tablado da casa de veraneio. Seria assim para todos, nada de ruas sujas, pessoas imundas, degradadas. Barrigas não roncariam e os melhores manjares noite e dia, banquetes dionísicos. Cervejas caras, amêndoas do oriente distante. Tecelagens finas e delicadas, concebidas por senhoras atemporais, quase cegas.

O vilarejo seria em toda parte, em Maceió ou Havana, talvez Macau ou Jacarta. O detalhe é a praia, o ócio nas espreguiçadeiras, camarões e exotismos, tudo que nossa pátria oferece e cristaliza como símbolos.

Em trinta segundos uma vida ali mostrada. Como era completa e única ao adquirir o automóvel, ligar do celular que poucos tinham. Amar muito tudo isso ao almoçar, diferenciar-se das multidões, disfarçando-se de multidão.

Perfumes, anéis, Paris. Um suco com soja galgando a eternidade, sabores da cama, mesa e banho. Tentações. O que ela precisava era algo mais, ou talvez bem menos. Entre os bilhões de chineses na terra (mesmo como o terremoto), está no leste e pontos cardeais pouco acrescentam em sua vida.

Engatinhou na província de Zhejiang, em silêncios, torturas, desejos. Seu infinito segredo, insistente momento. Observara em outras meninas a menarca, as regras, os dias. O fluxo do limiar menina-mulher. Ingrata, não a visitou. Tal desaforo causava choros e cólicas. Por cinco dias contorcia-se, com seu sangue incolor, com sonhos descamados do endométrio.

Em plantações de arroz, nos campos alagados não existia dismorfismos, tampouco olhares inquisidores. Cresceu na relva, a espiar meninos no rio, o circo e as artes da vida. Via meias de seda, passos na fonte e nos varais inúmeros soutiens. Do outro lado do mundo, em TVs e outdoors, uma menina caminhava pela rua, corada, sentindo-se mulher. Usava seu primeiro soutien. Não eram algemas, era seu potencial de liberdade e experimentação. Talvez a armadilha binária que não se desvencilharia.

A trans da província chinesa ignorava grifes e marcas, não as conheciam. Queria o recheio para a lingerie. Sentia o tempo, o respeitava. Guardava para si aquele pedido, se soprasse velas pediria a fumaça suas maçãs. Acariciava lentamente, como se brotassem aos poucos, sorrateiros. Surgiram com o passar vagaroso da vida. Em 26 de julho de 2004, ressignificou-se. Experimentou seu soutien, não importava o nome ou marca o primeiro soutien a gente nunca esquece.

Ou isto ou aquilo.



Ou se tem chuva ou não se tem sol,
ou se tem sol ou não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro doce,
ou compro doce e não guardo dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

Cecília Meireles


Rita. Uma cena melancólica sempre caminha por minhas loucas ideias. Essa senhora, coitada, não recolheu a previdência e agora atua em filmes voluptuosos com sua contemporânea do rebolado: Gretchen.

Em um programa homenageando a discoteca do chacrinha, Rita rebolou ao som do tema pantera cor de rosa. Não suportou a intensa emoção, chorou copiosamente, entristecida, repuxada. Contudo, seu bumbum não estremeceu, desceu desceu desceu. Ou isto aquilo: ou me emociono com chacrinha e não rebolo, ou rebolo e não me emociono com chacrinha. Ela subverteu, nem isto nem aquilo, as duas coisas!

Cadillac é mais que isso, é isto ou aquilo. Este doce poema transtornava minha primeira infância. Tentei em vão calçar luva e anel de mamãe, ganhei chineladas.

Com isto e com aquilo. Menino que brinca de barbie noiva, grávida, ciclista, vegetariana, católica, com distúrbios alimentares, japonesa, mulçumana, mensalina, indie, gótica... enfim, as mil barbies que já tive e que em nada afetaram minha identidade de gênero.