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sexta-feira, 30 de maio de 2008

samambaia


Peço licença para narrar o que me toma o pensamento, arrepia meus sentidos. Aqui, a voz se faz de um rapaz mentecapto, enveredando por partes de um mundo todo seu. Com tantas pretensões, a menor era encontrar alguém que de tal maneira o pusesse a atinar sobre sua companhia, reclamar seus abraços, dizer que o mundo é nosso.

Doce moço, nas lonjuras de São Paulo, perto de mais para um corpo sedento do teu. Inalcançável nas minúcias dos dias. Presente nos sabores que sobrevivem ao contínuo tentar de cada dia. Dias saborosos, com fragrância marcante, olhares densos, voluptuosos. Embaraços por não saber onde colocar as mãos. Trajetos em um mar de gente, em profícuos terrenos, escondidos ali, nossos beijos se encontravam.

A censura das mãos era um tempero. Prolongar o que de momentos estava findado. Desdobrando teu toque por mais um minuto, impregnando em nossas roupas o cheiro resultante de insistentes abraços.

Fugi do clichê, não sentei incrédulo em qualquer suporte, e tão pouco acendi um cigarro. O gosto bom desse homem transitava em minha boca. E desconsertado, ria como menino para os transeuntes. Acenava à vida, ouvia música, dissolvia lentamente a bala de menta. Lembrei de quilômetros, os esqueci.

Um domingo se seguiu, entre milhões (literalmente), passos pela paulista, por pessoas, por divergentes sonhos, desejos. Caminhada sorrateira, deveras congestionada, enfim sozinho, mergulhado nessa inquieta cabeça, formigante lembrança. Procurava em rostos desfocados aquela unicidade. Entreguei-me à multidão.

No frenesi urbano, inicio de semana, a saudade já desafrouxava. Quase um respirar aliviado. O telefone soou, era o moço. Marcamos pelas avessas, avessos. Próximos talvez, mas desconhecia o caminho. O nervosismo acirrado, o trânsito implacável. Enfim nos encontramos. Água, fôlego, apertos. Rápido, alguém vai chegar. Entregamos-nos ao curto tempo, roupas no chão, reviravoltas em lençóis. Beijos densos, línguas, toques, saliva, mãos. Olhos fechados, contorções, malabarismos. Onomatopéias, cabelos. Um jato, quente, sobre nós. Vestígios dissimulados, despedida sofrível, necessária. Entre pele e tecido, trazia em mim seu fluido. Doce companhia na madrugada de Guarulhos, no aeroporto assaltado pela neblina.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Descei


Foi zombando da porta, em distrações intermitentes. A loucura tomou-a de assalto em manhã caseira e tinhosa. A garganta rasgou levemente. Sentia um ou outro dente pronto para reclamar. A viagem fluía, sufocava qualquer tentativa de emancipação e produtividade. Confusões comuns, próximas.
Seria triste qualquer começo. Refrões aprisionam, insistem em harmonias. Deitaria na grama, forçando um bucolismo que nunca possuiu. Mas era pura fúria, lamúrias, indignações. Passou um pente nos cabelos da vida, deu-se conta dos pertences deixados à margem. Ensaiara coros e poemas. Música de câmara, bandolins, oboés. Afinou dedos e chão. Procurava fotos, lembranças, registros. Sentia mesquinhez em sua busca, buscar retratos era retratar sua cínica catarse. Retrocedeu, retratou-se consigo. Enfim, ritmou, perdeu-se em contentamentos.
Não estaria coerente, nunca esteve. Era dada as confusões do mundo, esfregava secreções nas autoridades inventadas. Fomentava fome, sufocava sedes. Deu-se a pensar em razões mil para obedecer a funções vitais com tal religiosidade. Excretava, ingeria, ruminava. Chorava pouco, abafava ruídos, aquecia pés e mãos. Copilava fragilidades, insistia em impotências, nervosismos, intenções. Chegava aos próximos despejando realismos, encenava vidas que não eram suas. Dizia o queriam ouvir, tornando mentiras mais que mentiras, verdades bem contadas, injetando vicissitude e devaneios aos circundantes. Era livre, pueril. Reclamava braços e abraços. Reclamava do que não faltava, arrependia-se do que não fizera. Rainha apolítica, despojada de qualquer poder moderador. Mesmo que moldasse, as curvas não sucumbiam. Franzia a testa por obrigação, não por charme. Então despertou-se, tudo era tão concorrido, evidente, simples.
Batendo palmas, estava pronta, homenagem a sobressaltos, frenesis. Vida era pouco mais que experiências, rápida e ríspida. Acumulava, dia sim, dia também. Cobrava tributos, sanados por mãos condescendentes. Afagava cicatrizes que a própria condição vital impele. Desistiu. Complexidades desmanchavam a beleza sugestionável, invertia sua recém criada história de vida. Sentia-se antropóloga de um mundo criado, desenhado na classe de criação publicitária. Aquelas cabeças, por vezes criativas, mas insistiam no galo. Galo, como já apontou João Cabral, cantava ao amanhecer, e com seus comparsas tecia a luz-balão Luz esquecida, cobra do divino divina luz. A vós descei, por serem filhas do senhor.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

chá das mães


Conversam, eita jeito bom de passar uma tarde. Lá nos perdidos da memória há pedacinhos que colados evidenciam sua rara sede de passado. Era o tempo, esperar pelo que viria, dizer coisas para outrém, imaginar como tal criatura tomaria forma humana, o que pensaria, o que seria.
Rumores, barulhinhos, expectativas. Conduziu por rígidas e tênues mãos aquela criatura. Falou do mundo, dos medos e pecados. Insistia em acordá-lo pela manhã, ir para o grupo, ler com tia marlúcia, comer arroz doce no recreio. Aquelas tardes eram quentes e eternas, o tempo de menino escalava portas e janelas, sempre abertas para a serelepe criança conduzir suas atinações.
Dias seduzidos pela televisão, pela insistente sessão da tarde, desenhos incontáveis, maçãs frescas compradas as pressas. Inquietudes. Mãe e avó faziam-se mais que mulheres, eram abraços certos e prendas no fim do dia. Mesmo que bulissem com o menino iam a galope contornar tal desaforo.
Cidade pequena, imersa em complexidades de uma mente pueril. O desejo era pelo mundo, que por tão tenra idade ainda lhe era censurado. Afrouxou o tempo, dias mais maleáveis, na companhia de crianças crescidas. Iam pro mato, brincavam tardes, noites, negociavam biscoitos em troca de um toque. Por hora, desejos mais incontidos, ávidos por uma louca liberdade,mãos suadas, mães preocupadas.
Repetia-se, uma brincadeira consolidada, esperada,mas entra tantas crianças e mais velhos um sempre despertava mais atenção, vontade de brincar mais, tocar o que de grande assaltava a boca com um susto, sucções generosas, contrações suavemente permitidas. Era assim, gostavam. Amar aos oito anos era caro para uma pequenina cidade.
O sofrimento materno era uma convulsão, gemidos cortantes, cabelos brancos, rugas que escreviam na face a contrariedade e impotência. Mães são imperfeitas, indissolutas, filhos acentuam a imperfeição. Consumiam-se no vazio das conversas. Traçaram dois destinos onde intencionalmente a distância é acionada. Dois desconhecidos tentando acreditar no instinto materno, buscando em fotos de revistas, jardins da metrópole e em conversas matinais um conforto para suas vidas.
Sábia senhora, educada por rasteiras e desilusões amorosas. Tombos calejantes, orgasmos negados, choros engulidos quando a ofensa ecoava na tarefa higienizante do lar. Talvez não soubesse amar, ninguém a ensinou. O que amava fazia por sua paupérrima grámatica. Era insuficiente, sabia disso.
O seu fruto não é doce como concebeu há tempos. Um caroço existia, maior que o esperado, fardo para costas que não contavam com excesso de trabalho. Mas era filho, e mesmo rompendo o mundo que desenhou na agenda de 1989 ainda o sentia próximo do teu seio. Alimento certo, alí ainda pousaria para dirimir conflitos,nortear sentidos. Eram comum em suas dores, iguais como nunca pensaram. Mãe e o filho, sequência imprópria e tão certeira.
Na intimidade das paredes brancas é mais confortável enfrentar os diálogos. O desafio é sentar com a vizinha, sussurar para a amiga no trabalho, viver junto com o filho fora do armário. Nos logradouros e instituições da vida é que mãe se põe a prova. O repouso garante-se no enfrentamento, nos olhos marejados que acredita na capacidade transformadora do amor de seu filho. Ela está pronta. Você está?

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Reinações



Estive pálida, murcha como uma laranja chupada, espremida, acuada. Olhar para a rua era o começo de tonturas, tremores, suores. Precisava viver. Comentei com Kelly sobre meus traumas, ela foi ríspida: Saia dessa mona! Vá para a pista batalhar, trauma de bicha rola no rabo resolve.
As palavras foram aquecedoras, os remédios queimaram minhas economias, estava maltrapilha, moribunda, alimentando-me do que Kelly retirava da rua. Coloquei minissaia plissada, blusinha brilhante, batom rosa, saltinho, Mona quente, implacável.
Fui ao balança brasil tomar um conhaque, aquecer, me fazer gata, corajosa, chamar meus amores “reais”, chupar pau, virar meu cú, comer cús conjugais. Cheguei ao centro, confusa, mais um gole e estaria curada das lembranças da”cirurgia”. Desci pela Paranaíba, busquei senhores, meninos, mulheres, ninguém queria trepar nessa noite, a concorrência imensa, bonecas recém-chegadas do Europa, com ares italianos,modos afrancesados,verdadeiras “etóiles”.
Todas partiram depois de uma noite meia bomba. Não fui, caminhei pelo centrão, percebi detalhes, imaginei minha vida naquelas vielas, morando em casa com varanda, cama de casal, cozinha grande e toda na cerâmica, com mãe, cachorro e pamonhas no fim da tarde. Sentei embaixo de uma manguba, no limiar noite dia, levemente descanso.
O frenesi amarelo se instaura, ônibus embriagados cortam a cidade, ouviram-se buzinas, sussurros, fadigas. Goiânia quente e abafada, trêmula com excesso de chumbo, similar ao bebum qualquer que ingeriu respeitosas talagadas do mais barato aguardente vendido na mercearia paraíso.
Hoje é um dia especial, a art’deco grita e pede socorro, as fachadas são implacáveis, há de tudo um pouco para evidenciar a fracassada idéia de contemporaneidade, tecnologia. A Avenida Goiás firma-se como bueiro emancipado da cidade monocromática, reluta, agoniza, é em vão, o próximo prédio abrigará mais um atacadista, que com suas insistentes promoções, colocará em troca de suaves prestações comodidade e austeridade nos lares goianienses.
Goiânia está européia, sugestionável. Dei-me conta de que ela é uma mulher, siliconada, plástica, moldável. Que entre as dezenas de homens que envergaram brasas e misérias sobre suas costas,ela finamente reergue-se, travesti-se de concreto e petróleo
Infeliz cidade, cirurgiada por natureza, refestelando-se das roupagens em migalhas, abrigando em teu seio os perdidos que Goiás vomita. Assanhada, serelepe,conduz vidas e histórias. Escuta soluços, chora copiosamente a ausência de seus pares. Comporta gente de toda sorte, até mesmo aquela moça sem pau que se põe a sonhar na quentura de sua manhã.
É uma jovem senhora, imponente, arredondada, voraz e complacente. Busco seu rosto, esfrego as mãos pelo asfalto para sentí-la. Preciso dizer o quanto me enamoro por ti amarelada cidade, não sei como entregar-me indubitavelmente para ti, então decido renomear-me, repaginar esse suporte que sou, escrever sobre suas avenidas uma outra história, agora me chamo Goyanny, abuso de bela
!

sábado, 3 de maio de 2008

Barbie Girl, eu?



Eram braços fortes, corpos construídos, tão ou mais construídos que o meu. Morenos, suados, robustos. Imponentes, necessários? Fui chamada, Barbie girl. Não entendi, olhei a volta, cerrei as pálpebras, apertei os passos. Mas o mal já ocorrera, doeu, o porquê desconheço, não é familiar. Uma opressão, pressão, esmagadora diferença de forças, eu ali frágil, quase mulher, eles fálicos, machos prontos para estraçalhar se eu me atrevesse a revidar.
Mais três ou quatro metros, ecoaram: ”é você mesmo, Barbie” senti as pernas bambas, os hormônios pulsantes, tentei correr, tropecei em meu medo, em minha insignificância. Tapas, socos, ofensas, estava no chão, cachorro morto, recebendo chutes, eles feriam outra pessoa, eu já não estava lá... De quem era o corpo, eu já não o sentia. Intermináveis seis minutos, irreversíveis.
Acordei, ainda estava na rua, rastejei alguns quarteirões, pelo caminho perderam-se dentes, sangue e sonhos. Uma boa senhora ainda sentiu pena, de longe abençoou-me, maldita não preciso de orações preciso de analgésico. Humilhada, maltrapilha, indigente, a hemorragia não via hora para ser atendida. No prontuário colocaram o nome de outra pessoa, um nome que ressurge quando estou fraca, sem forças, mesmo tentando matá-lo ele sobrevive, me persegue.
_ “Não registre ocorrência, é capaz que leve outros sopapos, é falta de vergonha homem por saia e se fazer mulher na noite”. Segui o conselho, e quando entrei em meu corpo novamente percebi que a surra extirpou de mim mais que sonhos, estava cirurgiada, sem pau, sem fenda, sem nada. Mais incompreensível que nunca, um corpo sem sexo, deformado.
Os rapazes riam pelos cotovelos no bar do zelem, “sou um cirurgião plástico, fiz buceta no veadinho”. Muitos sabiam da benfeitoria que cometeram, mas eram todos tácitos, coniventes. Saí do hospital sete quilos mais magra, recebi inúmeras transfusões e nem uma palavra amiga. Ainda viva, a calçada esperava.